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Marca Global, Identidade Local: Já Protegeu a Transliteração da Sua Marca?

Por: Susana Gonçalves

12 de Junho de 2025

À medida que as empresas na União Europeia expandem as suas operações além-fronteiras, uma tendência é clara: cresce de forma consistente a presença nos mercados árabes e asiáticos. Estes mercados, cultural e linguisticamente diversos, apresentam oportunidades cada vez mais relevantes para marcas que procuram crescer a nível global — mas também desafios específicos que não podem ser ignorados.

Em 2024, as exportações da União Europeia designadamente para os países do Conselho de Cooperação do Golfo (como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar) ultrapassaram os 93 mil milhões de euros, destacando a importância crescente da região. Já no mercado asiático, as exportações da UE para a Ásia atingiram 52,7 mil milhões de euros, mantendo uma trajetória de crescimento contínuo. Estes dados refletem não só a relevância económica destas regiões, mas também o aumento da exposição de marcas europeias a sistemas linguísticos e culturais que utilizam alfabetos não latinos.

Neste contexto, o registo da transliteração da marca assume um papel crucial para garantir aos titulares de registo de marcas o sucesso e a segurança jurídica nesses territórios.

De acordo com dados recentes, nos últimos dois meses, 8% dos pedidos de registo em países árabes foram apresentados em caracteres locais, enquanto apenas 4% foram apresentados exclusivamente em alfabeto latino. Isto demonstra uma crescente preferência por marcas adaptadas aos sistemas de escrita locais. Em países como a Arábia Saudita e a Síria, esta tendência é ainda mais pronunciada, sendo a maioria dos pedidos feita com recurso a transliterações — um sinal claro de que, nestes mercados, adaptar a marca ao contexto linguístico é mais do que uma vantagem: é uma exigência de mercado. Estes dados reforçam a urgência crescente de atuação nesta área.

Tendo em conta esta tendência, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) tomou a iniciativa de elaborar um mapa (abaixo representado) com indicação de todos os caracteres e alfabetos do Mundo para ajudar a identificar jurisdições onde a falta de registo em caracteres locais representa maior vulnerabilidade, sublinhando a importância deste tema:

Fonte: World Intellectual Property Organization, Can Marks in Different Scripts Be Considered as the Same Mark for Certification Purposes? MM/LD/WG/13/RT/PPT3

A OMPI destaca ainda que apesar de o Sistema de Madrid ter como base o alfabeto latino, reconhece a necessidade crescente de refletir a diversidade linguística dos seus membros, incentivando a apresentação de marcas transliteradas para adaptação a mercados de exportação com alfabetos diferentes.

Em que consiste a transliteração

Feito este contexto, importa perceber que a transliteração consiste na adaptação fonética da marca à escrita local, preservando a sua pronúncia original, mas utilizando o alfabeto do país de destino. Por exemplo, uma marca da União Europeia que entra no mercado chinês pode — e deve — adotar uma versão em caracteres chineses que soe de forma semelhante ao nome original. O objetivo não é traduzir o significado, mas sim garantir que a marca seja reconhecida, pronunciada corretamente e compreendida no contexto linguístico e cultural local. É, pois, um processo fonético.

Por exemplo, a marca Lacoste é transliterada em chinês como 拉科斯特 (Lākēsītè), tentando preservar a sonoridade da marca original em francês. Em mercados árabes, a marca Pepsi é transliterada como بيبسي (Bībsi), mantendo a pronúncia do nome original, mas utilizando o alfabeto árabe, o que a torna legível e pronunciável por parte dos consumidores locais.

Importante: a proteção jurídica da transliteração não é automática e, na maioria dos países, é necessário apresentar um pedido de registo autónomo junto das autoridades locais, para garantir esta proteção adicional. A proteção da transliteração não é obrigatória, mas é cada vez mais recomendada atendendo especialmente ao crescente aumento da contrafação nestas jurisdições.

O não reconhecimento desta necessidade tem levado a perdas de exclusividade, litígios dispendiosos e dificuldades operacionais, como demonstram os casos reais abaixo identificados.

Porque é que a proteção é importante? Contextualização com casos reais

A omissão de proteção da transliteração tem aberto espaço designadamente para os seguintes riscos:

Imitação por concorrentes

Um dos casos mais emblemáticos é o da Nike na China. Quando a empresa norte-americana começou a operar no país, inicialmente concentrou-se apenas na proteção da marca “Nike” em caracteres latinos. Durante esse período, o equivalente fonético mais comum em chinês — 耐克 (Nài kè) — não foi protegido, o que abriu uma janela de oportunidade que foi aproveitada por concorrentes locais, que registaram nomes com pronúncia semelhante e exploraram a ausência de proteção formal.

Desconexão com o consumidor local

A Coca-Cola representa o exemplo oposto: uma abordagem estratégica e culturalmente sensível. Ao entrar no mercado chinês, a empresa desenvolveu uma transliteração com significado positivo: 可口可乐 (Kěkǒu Kělè), traduzido como “delicioso e feliz”. Esta escolha ajudou a construir um laço mais forte com os consumidores desde o início.

Requisitos legais e vulnerabilidades operacionais

1. O caso da Hermès também traz lições importantes. A marca francesa de luxo ignorou durante anos o registo da transliteração em chinês — 爱马仕 (Ài mǎ shì), tendo um comerciante chinês registado o nome. Quando a Hermès tentou recuperar a marca, os tribunais chineses recusaram o pedido, alegando que não havia prova suficiente de reconhecimento prévio da marca em chinês na altura do registo original.

2. Também a marca alemã de artigos desportivos Adidas enfrentou dificuldades na proteção da sua transliteração em países árabes, onde versões fonéticas similares foram registadas por terceiros. Por exemplo, em árabe, a transliteração de Adidas pode ser أديداس (Adīdās). A falta de registo inicial abriu espaço para concorrentes locais explorarem marcas semelhantes, o que levou a litígios para preservar a exclusividade da marca.

3. A marca francesa de luxo Louis Vuitton também teve desafios relacionados à transliteração árabe لويس فويتون (Luwīs Fūytūn). Em alguns países árabes, estes nomes foram registados em grafias fonéticas próximas, dificultando a defesa da marca original e causando confusão entre os consumidores.

4. No mundo árabe, McDonald’s é transliterado como ماكدونالدز (Mākdūnāldz). Apesar de ser uma marca globalmente reconhecida, a ausência inicial de registo da transliteração em alguns mercados árabes permitiu que concorrentes registassem versões próximas foneticamente, criando desafios legais para proteger a marca.

Benefícios de registar a transliteração

Proteção jurídica reforçada: A proteção da marca em caracteres locais permite prevenir e reagir de forma eficaz contra usos indevidos por terceiros, incluindo versões foneticamente semelhantes, preservando assim a identidade e unicidade da marca.

Maior notoriedade e impacto local: O registo em caracteres locais torna a marca mais acessível, memorizada e próxima do consumidor local, favorecendo uma ligação mais forte com o público-alvo e aumentando a notoriedade.

Vantagem competitiva com sensibilidade cultural: A transliteração da marca demonstra sensibilidade e adequação ao contexto cultural local, contribuindo positivamente para a perceção e valorização da marca no mercado.

Cumprimento de normas legais em mercados críticos: Em muitos países, especialmente nos setores de consumo, retalho e farmacêutico, as autoridades locais exigem o uso ou registo da marca em caracteres nativos, tornando esta proteção não apenas estratégica, mas também necessária do ponto de vista regulatório.

O que recomendamos?

  1. Avaliar os mercados onde a sua marca atua ou pretende atuar e verificar se utilizam alfabetos não latinos.
  2. Definir a melhor transliteração com apoio de linguistas, especialistas locais e consultores de PI.
  3. Incluir a transliteração na sua estratégia de branding global.

Em resumo

Proteger a transliteração da marca é garantir a sua identidade global com raízes locais. É uma decisão que reforça a presença internacional, mitiga riscos jurídicos e aproxima a marca dos consumidores.

Não deixe que a sua marca se perca ou limite na tradução. Proteja a transliteração. Fale connosco!

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